NAS PATAS DO CÃO LEITOR: “UM DIA NA PRAIA”

Para uma tarde de leitura deitados na areia, o Cão Leitor sugere: “Um dia na praia“. Um verdadeiro apelo à sustentabilidade e preservação do planeta a que ninguém deve ficar indiferente. O Cão Leitor não ficou … e adorou!

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Ficha Técnica:

Autor: Bernardo Carvalho

Ilustrador: Bernardo Carvalho

Editora: Planeta Tangerina

Ano: 2008

Breve descrição: Uma narrativa simples que conta com uma única personagem e sensibiliza o leitor para um problema demasiado atual: a poluição! Entre páginas duplas cheias de cor e de jogos de cor – repare-se no preenchimento a “verde forte” da nossa personagem ecológica – o Bernardo faz-nos pensar no nosso planeta e nas nossas preocupações ambientais, mostrando-os mais possibilidades do que obstáculos. É que … uma tarde na praia não é só uma tarde na praia! Pode muito bem ser a primeira oportunidade para salvarmos o planeta!

 

Excerto:

Há muitas maneiras de contar uma história. E uma delas é sem palavras, em silêncio, ouvindo apenas o som do mar. Neste livro, as imagens acompanham os gestos de um dia na praia que acabou de forma totalmente inesperada …

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Como em poucas outras obras, “Um dia na praia” utiliza as guardas iniciais e finais como parte da narrativa. Inicia a ação logo nas guardas iniciais, proporcionando ao leitor um vislumbre do vasto oceano, como um fundo azul que apenas se distingue da restante paisagem pela linha do horizonte; quase como se abríssemos o livro para chegar a uma praia!

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As guardas finais também nos reservam uma pequena (ou distante?) surpresa; lá ao fundo, precisamente na mesma paisagem, conseguimos ver o protagonista da história, aparentemente satisfeito com o “destino” da sua viagem à praia …

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Sugestões:

Já aqui se escreveu sobre a importância da compreensão da estrutura das narrativas para a boa compreensão de histórias e, posteriormente, produção das próprias histórias. Weitzman e Greenberg (2010) sugerem a estrutura básica PCPAR – Personagens, Cenários, Problemas, Ações e Resolução – e autores diversos (Greenberg & Weitzman, 2014; Cunningham & Zibulsky, 2014) fazem referência à importância de modelar explicitamente esta estrutura, nomeando de forma clara os seus elementos mais relevantes.

Na obra em questão, identifica-se a seguinte estrutura:

Estrutura PCPAR

Dominada a estrutura da narrativa e compreendido o seu conteúdo e a mensagem da história, é tempo de abstrair e pensar além da narrativa diretamente legível no livro; ou seja, é tempo de inferir, apreender informações implícitas e relacionar conteúdos com outros conhecimentos e experiências!

Será que inferimos quanto lemos uma frase ou um texto?

Sim … até certo ponto e informados pelo conteúdo escrito, bem como por outros conteúdos já do nosso conhecimento. Ao ler ou ouvir a frase:

O Sr. Verde chegou, estendeu a toalha, abriu o chapéu de sol e deitou-se na areia.

O leitor/ouvinte infere muita informação que não está diretamente acessível e que é fundamental para a compreensão da história, nomeadamente (1) que o Sr. Verde está na praia e (2) que está sol e calor. Apesar da informação estar omissa, o pensamento inferencial do leitor/ouvinte permite complementar a informação para uma compreensão plena do conteúdo; um pouco como o trabalho de detetive, já referenciado na publicação anterior.

Repitamos o exercício com a frase:

O Sr. Verde teve uma ideia para resolver o problema da poluição no mar!

O que pode inferir o leitor/ouvinte? Será que pode antecipar e prever o que vai fazer a personagem? Será que pode evocar e partilhar experiências passadas de situações semelhantes? Será que pode imaginar soluções para resolver o problema da poluição?

Fazemos inferências na “leitura” da ilustração?

Claro que sim! A obra em questão é um excelente exemplo da utilização da imagem para inferir conteúdos importantes da história. Repare-se, por exemplo, que a capa não apresenta o título – ou qualquer outro conteúdo escrito – mas o leitor consegue facilmente inferir sobre o tema da história.

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Da mesma forma, quando o Sr. Verde visualiza o primeiro objeto no oceano … o leitor infere o que será, considerando o local onde se encontra, a forma, cor e tamanho do item …

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Naturalmente, aquilo que cada um deduz dependerá dos seus conhecimentos e experiências prévias e, no caso, das suas capacidades para observar em detalhe a ilustração para a partir daí refletir e concluir. E “Um dia na praia” é um excelente recurso para treinar esta observação cuidadosa.

Como poderá o adulto ajudar a criança a desenvolver o seu pensamento inferencial para compreender de forma mais completa uma história?

Fundamental para inferir e poder ler “entre as” e “além das linhas” é assegurar que a criança alcança uma compreensão básica da história, mais concretamente, ter a certeza de que consegue identificar as personagens relevantes, o cenário da história, o problema central e as ações que conduzem à resolução da narrativa. Já aqui referimos o quão importante é revelar à criança a estrutura PCPAR da narrativa, mas um estudo chileno, Silver, Strasser e Cain (2014), envolvendo 60 crianças pré-leitoras, revelou que colocar criteriosamente perguntas aquando da exploração de livros parece ter um efeito facilitador na compreensão da história. Nesta mesma investigação, constatou-se que crianças a quem tinham sido apresentadas perguntas conseguiram reproduzir de forma mais coerente a narrativa do que o grupo controlo, a quem as perguntas foram colocadas apenas depois da tarefa de reconto.

A recomendação é, naturalmente, para que se comece com perguntas fatuais sobre a história – Quem? O quê? Onde? Entre outras … – para compreender até que ponto o conteúdo explícito da narrativa está a ser compreendido e dirigir a atenção do jovem leitor para as informações mais relevantes. Um exemplo proveniente das nossas leituras pode ser visto aqui.

Uma vez seguros de que a criança domina a estrutura básica da história, colocar perguntas pode também ser uma estratégia útil para aprofundar a compreensão e estimular o pensamento inferencial com base na história. Kispal (2008) conclui na sua revisão sistemática que utilizar perguntas de forma moderada e intencional pode ajudar a criança a desenvolver as suas competências inferenciais, sendo certo que o tipo de perguntas a utilizar será, necessariamente, diferente das anteriormente referidas. Um exemplo aplicado nas leituras do Cão Leitor pode ser visto aqui.

Assim sendo … que perguntas podem ser colocadas para estimular o pensamento inferencial dos mais jovens?

No seu programa de educação parental, Weitzman e Greenberg (2010) são claras e recomendam que se coloquem perguntas específicas que promovam o uso inferencial da linguagem para:

1. Explicar um facto ou acontecimento

Ex: Por que abriu o Sr. Verde o chapéu de sol?

2. Evocar uma experiência passada

Ex: Já alguma vez foste à praia e encontraste lixo no mar?

3. Expressar e conversar sobre emoções

Ex: Como achas que se está a sentir o Sr. Verde?

4. Examinar situações e emitir juízos de valor?

Ex: Achas boa ideia nadar no mar se estiver todo poluído?

5. Prever o que vai acontecer na história

Ex: O que achas que vai acontecer a seguir?

6. Refletir para resolver problemas

Ex: Como pode o Sr. Verde resolver o problema da poluição do oceano?

7. Projetar-se na situação e emoções das personagens

Ex: Se tu fosses o Sr. Verde, a que praia irias e o que levarias contigo?

8. Assumir e simular diferentes papéis

Ex: Com tanto lixo, como construirias um barco? Mostra-me … desenha o barco que tu construirias!

Aquando da leitura e exploração da historia, NÃO se esqueçam: sempre que colocada uma questão, é fundamental ESPERAR. Esperar sem pressa e de forma ativa, demonstrando genuíno interesse em ouvir a criança e autêntica disponibilidade para a ajudar a chegar a uma resposta.

O tempo é de calor e o tema do pensamento inferencial “quente”! Muito mais haveria a dizer sobre o assunto.

Sabia que equilibrar comentários do tipo “pensar em voz alta” com perguntas pode ter ainda melhores resultados (Weitzman & Greenberg, 2010; Kispal, 2008)?

Sabia, por exemplo, que o domínio de um vasto vocabulário é um forte fator preditor e facilitador da realização de inferências e compreensão plena de textos e conversas (Currie & Cain, 2015)

Todavia … por ora desfrutem da obra e reflitam na mensagem que nos deixa … de preferência a relaxar, à beira mar!

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Referências Bibliográficas:

Cunningham, A. & Zibulsky, J. (2014). Book smart. How to develop and support successful, motivated readers. Nova Iorque, NY: Oxford University Press.

Currie, N. & Cain, K. (2015). Children’s inference generation: The role of vocabulary and working memory. Em Journal of Experimental Child Psychology. 137, 57–75.

Greenberg, J. & Weitzman, E. (2014). I’m ready! How to prepare your child for reading success. Toronto: The Hanen Centre.

Kispal A. (2008). Effective teaching of inference skills for Reading. Literature review. Slough: National Foundation for Educational Research.

Silva, M., Strasser, K., & Cain, K. (2014). Early narrative skills in Chilean preschool: Questions scaffold theproduction of coherent narratives. Em Early Childhood Research Quarterly. 29, 205–213.

Weitzman, E. & Greenberg, J. (2010). Abc and beyond. Building emergent literacy in early childhood settings. Toronto: The Hanen Centre.

 

Conversas … entre Leituras

Voando para Portugal, veio a nova obra explorada pelo Cão Leitor!

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FICHA TÉCNICA:

Autor/Ilustrador: Hafsteinn Hafsteinson

Autor dos Poemas: Bjarki Karlsson

Editora: Mál og menning

Ano: 2016

IMG_1663(Título em Português: Ninguém viu o cão)

Reflexão:

Já aqui se escreveu sobre compreensão de histórias e as complexas competências implicadas neste processo por parte do jovem leitor/ouvinte. Entre outras, há três competências fundamentais para que a criança consiga compreender uma história:

     1. Compreender a estrutura – PCPAR – da narrativa (ver publicação com a obra “Vazio”);

     2. Estabelecer relações de causalidade entre as ações e acontecimentos; e

     3. Fazer uso do pensamento inferencial para apreender informação omissa ou complementar ao texto e ilustração (Cunningham & Zibulsky, 2014).

Do que se trata, afinal, esta última competência que relaciona pensamento inferencial com compreensão da linguagem e de histórias? Uns definem-na  como a capacidade para ler “entre e além das linhas” de uma história, compreendendo em pleno o conteúdo explícito e implícito da mesma (Weitzman & Greenberg, 2010). Outros, como a competência para interpretar a informação literal e apresentada de forma imediatamente acessível no texto e na ilustração, combinando-a com o pensamento indutivo do próprio para compreender aquilo que o autor pretende comunicar; além do que nos diz através da palavra e da imagem (Cunningham & Zibulsky, 2014). Pensamento inferencial é, de certa forma, comparável com o trabalho de um detetive que, para descortinar um mistério, utiliza o seu raciocínio apurado para alcançar uma compreensão mais abrangente e completa do cenário que encontra, juntando as pistas encontradas com conhecimento e experiências prévias.

Definições à parte, o que se sabe é que a linguagem assume um papel preponderante no processo de pensamento inferencial, falando-se comummente de inferência linguística quando, a partir de conhecimentos, crenças e experiências prévias, uma pessoa interpreta e atribui significado a palavras ou expressões que desconhece.

Ao explorar uma história, fazemos uso do pensamento inferencial e da inferência linguística utilizando funções da linguagem mais abstratas ou “evoluídas” do que simplesmente nomear elementos, responder a perguntas, descrever imagens ou colocar questões ao interlocutor. Ao inferir, recorremos à linguagem para explicar eventos ou acontecimentos (ex: “a Capuchinho Vermelho leva bolos, porque a avó está doente e não pode sair de casa“), evocar experiências passadas (ex: “eu também já estive doente e a mãe trouxe-me um chocolate quando voltou do trabalho“) e falar sobre as mesmas, avaliar situações e emitir julgamentos (ex: “a Capuchinho Vermelho não devia ir pelo bosque, porque pode ser perigoso“) e até projetarmo-nos em situações especificas (ex: “se fosse eu, dava com a cesta na cabeça do lobo“), entre outros usos “inferenciais” da linguagem (Weitzman & Greenberg, 2010).

Até que ponto é importante o pensamento inferencial para compreender o completo significado de uma história?

Até que ponto é necessário um bom desenvolvimento linguístico para conseguir pensar além do literal e inferir informações e significados “escondidos”?

Até que ponto se pode compreender uma história ou um texto se se tiver dificuldades no pensamento inferencial e na inferência linguística?

Com estas questões “no pensamento”, desafie-se e tente compreender o significado da seguinte sequência de imagens da obra de Hafsteinson e Karlsson …

 

 

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Para começar a inferir …

  1. Será que a família gosta do seu cão?
  2. Por que terão deixado de lhe dar atenção?
  3. Qual terá sido a ideia do cão para resolver o problema?
  4. Como terminará esta história?
  5. Como podemos nós, leitores cuidadores, promover o desenvolvimento do pensamento inferencial da criança?

 

Referências Bibliográficas:

Cunningham, A. & Zibulsky, J. (2014). Book smart. How to develop and support successful, motivated readers. Nova Iorque, NY: Oxford University Press.

Weitzman, E. & Greenberg, J. (2010). Abc and beyond. Building emergent literacy in early childhood settings. Toronto: The Hanen Centre.

NAS PATAS DO CÃO LEITOR: “O Piolho Sabe Que”

Para um fim de semana recheado de vocabulário e humor, o Cão Leitor sugere: “O Piolho Sabe Que”. Um piolho sabichão que desperta, inicialmente, alguma estranheza… O Cão Leitor aproximou-se devagar, mas rapidamente se rendeu!

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Ficha Técnica:

Autor: Mathis

Ilustradora: Aurore Petit

Editora: Orfeu Negro

Ano: 2017

Breve descrição: Mais um livro-álbum genial, daqueles em que texto e ilustração convivem numa verdadeira simbiose; um não faz sentido sem o outro … pelo menos plenamente. Entre jogos de palavras e imagens mais ou menos elucidativas, os leitores são levados a pensar naquilo que um piolho sabe, conduzidos pela sua sapiência e por aquilo que ele não sabe e não sabe que desconhece… Com uma ilustração simples,  colorida e muito expressiva … é quase impossível resistir à tentativa de réplica. O texto, muito simples e com linhas de repetição, é, por sua vez, um convite à leitura, mesmo para os menos ousados e que (ainda) não sabem ler. Não se deixe o leitor adulto enganar pela aparente simplicidade da obra … o desfecho é inesperado e requer uma mente atenta e inquieta para descodificar as últimas páginas. Preparados? Aqui vão jogar e gargalhar…

Excerto:

O piolho sabe que as ovelhas são brancas.
O piolho sabe que os camelos têm duas bossas.

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Para um excerto das nossas leituras, eis o vídeo.

Sugestões:

A expansão do vocabulário da criança passa por diferentes fases, desde o desconhecimento total do novo vocábulo até à utilização variada e adequada da nova palavra, passando por uma fase intermédia de compreensão do novo significado, ainda que não faça uso da palavra em questão (I Can, 2015). A investigação sugere que os adultos cuidadores têm um papel fundamental na expansão do conhecimento lexical das crianças, sabendo-se que, além da exposição aos novos vocábulos, apresentar à criança a definição da nova palavra, explicar o seu significado e fornecer informação sobre a estrutura fonológica da mesma são estratégias que aumentam a eficácia do processo (Justice, Meier & Walpole, 2005; I Can 2015).

Num livro tão simples, repetitivo e “ritmado” como “O Piolho Sabe Que” torna-se fácil a exploração de novo vocabulário. Entre outras, características que tornam um livro infantil um bom recurso para explorar vocabulário são:

  • integrar temas motivantes e interessantes para a criança;
  • introduzir vocabulário desconhecido ou pouco familiar;
  • repetir os vocábulos novos, complexos ou com relevo para a compreensão da história;
  • existir uma história e/ou ilustrações que clarifiquem o significado das palavras novas;
  • verificar-se a possibilidade de leitura repetida do livro (Greenberg & Weitzman, 2014).

A exposição e explicação do novo vocabulário pelo leitor adulto deve, contudo, ser refletida e intencional, implicando a análise prévia da obra para seleção das palavras a explorar. Para isso, o recurso à técnica “ancestral” do post-it colado na contracapa do livro é uma boa solução … Na obra d’”O Piolho Sabe Que“, eis algumas sugestões de vocabulário novo para as primeiras páginas ilustradas:

Vocabulário 1

Escolhido o vocabulário, há que introduzi-lo com critério e de forma sistemática. Conklin, Pepper, Weitzman, e McDade  (2007) sugerem a estratégia dos 4D’s e 3R’s quando se pretende introduzir novo vocabulário de forma eficaz … Que é como quem diz: falar devagar e pausadamente, utilizar um discurso simples, dizer os novos vocábulos de forma expressiva e com emoção e demonstrar com gestos, apontando a ilustração ou, até, usando objetos. Vejamos o esquema 1 …

4D

Quanto aos 3R’s … significam apenas que se deve Repetir, Repetir e Repetir os novos vocábulos, para que a criança tenha oportunidades suficientes para os apreender.

À medida que a criança se apropria do vocabulário mais “comum” introduzido, importa progredir e subir, gradualmente, os degraus da escada do vocabulário. Ou seja, começa-se por introduzir palavras familiares, do dia a dia, e, à medida que a criança se apropria das mesmas, apresentam-se palavras sinónimas, mas mais específicas. Dependendo da criança e do vocábulo, fará sentido progredir para palavras especializadas (Weitzman & Greenberg, 2010); aquelas que usamos raras vezes nas conversas quotidianas, mas a que a criança será exposta durante a escuta e leitura de histórias, onde a sua compreensão é da maior importância. Como exemplo, apresentam-se duas Escadas de Vocabulário abaixo.

O processo dos 4D’s e 3R’s deve continuar sempre que se introduz um novo vocábulo. Especialmente nas palavras mais complexas e especializadas,  complexas será importante analisar com a criança os sons e sílabas que as compõem. Basta um quadro magnético e alguma criatividade para brincar com as sílabas, em atividades de segmentação (separa as sílabas de uma dada palavra) e reconstrução (juntar as sílabas para descobrir a palavra) que tanto exercitam a consciência fonológica do jovem leitor.

Chegados ao final da história … não tem problema! Sugere-se que continuem a história do Piolho, criando mais cenários em que este inseto apresenta a sua sabedoria.

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No sentido mais metafórico, este livro alerta os leitores para a imensidão do mundo e para a possibilidade de o ver, recriando novos cenários, olhando por diversas perspetivas. De facto, nem tudo o que parece ser, à primeira vista, o é … Vamos, então, olhar e observar… num momento descontraído e aproveitando a sombra de uma árvore ou um tapete bem denso e enleado de grama. Vamos pôr os “Olhos Tropeçando em Nuvens e Outras Coisas” – assim diria João Pedro Mésseder – descobrindo que imagens se revelam através de uma nuvem ou num céu estrelado. Divagamos, conversamos, imaginamos, construímos pensamento e alargamos vocabulário.

O Piolho sabe algumas coisas … e não sabe outras. O Cão Leitor já sabe: este Piolho não sabe NADA DE NADA. Que embaraço!

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Referências Bibliográficas:

Conklin, C., Pepper, J., Weitzman, E. & McDade, A. (2007). It takes two to talk. Making hanen happen. Leaders guide for hanen certified speech-language pathologists. Toronto: The Hanen Early Language Program.

I Can. (2015). Early talk boost evaluation report 2015. Acedido a: 12, Julho, 2017. Em: http://licensing.ican.org.uk/sites/licensing.ican.org.uk/files/documents/Early-Talk-Boost-Evaluation2015.pdf

Justice, L., Meier, J. and Walpole, S. (2005). Learning new words from storybooks: an efficacy study with at-risk kindergartners. Em Language, Speech, and Hearing Services in Schools. 36, 17–32.

Greenberg, J. & Weitzman, E. (2014). I’m ready! How to prepare your child for reading success. Toronto: The Hanen Centre.

Weitzman, E. & Greenberg, J. (2010). Abc and beyond. Building emergent literacy in early childhood settings. Toronto: The Hanen Centre.

Imagens do Esquema 1 retiradas do Portal ARASAAC: http://www.arasaac.org

Conversas … entre Leituras

Aprender a ler é fundamental, especialmente para poder ler para aprender!

Nesta segunda fase – a de ler para aprender – sabe-se que um bom desenvolvimento linguístico no domínio semântico (capacidade para compreender o significado das palavras e das relações entre palavras) é crucial para que a criança compreenda conversas e leituras e possa delas apreender a informação relevante para co-construir novos significados (Cunningham & Zibulsky, 2014).

Todavia … como seremos nós, cuidadores-leitores, na promoção do vocabulário dos ouvintes das nossas leituras?

Num estudo envolvendo cerca de 700 famílias, com características sócio-demográficas variadas, Hindman, Skibbe e Foster (2014) codificaram as conversas entre cuidadores e criança em torno da leitura partilhada, encontrando duas categorias gerais na conversação: Conversas relacionadas com o Conteúdo (meaning-related talk) e Conversas relacionadas com o Código (code-related talk).

Na primeira categoria – Conversas relacionadas com o conteúdo da história – as autoras identificaram as seguintes estratégias como mais frequentes nas díades: (i) dirigir a atenção da criança para as imagens do livro, (ii) expandir sobre a história, (iii) dramatizar a história, (iv) sumarizar e evocar a história, (v) relacionar a história com a vida da criança e (vi) explorar e discutir o vocabulário inerente à história.

No que concerne às Conversas relacionadas com o Código, Hindman e a sua equipa (2014) concluíram que as estratégias adotadas consistiam em (i) falar sobre os sons e as letras do texto e (ii) convidar a criança para ler a história.

A investigação em questão revela fatos muito interessantes sobre o comportamento dos adultos leitores … neste caso, pais-leitores. Curioso é perceber que dos progenitores observados em conversas sobre o conteúdo:

  • 85% dirigiu a atenção das crianças para as imagens, pelo menos uma vez;
  • 63% expandiu sobre a história, pelo menos uma vez;
  • 46% relacionou a história do livro com a vida da criança ou com outro livro familiar, pelo menos uma vez;
  • 43% dramatizou a história, pelo menos uma vez;
  • 16% discutiu, evocou e recontou a história com a criança, pelo menos uma vez; e
  • apenas 14% discutiu e explorou novo vocabulário …

 

E o/a leitor/a desta publicação? Qual será o seu perfil leitor? Que estratégias utiliza para explorar vocabulário?

Para terminar … Que vocábulo dará muito que falar no próximo livro?

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(não muito bem escondida … ali está ela … a pista!)

 

Referências Bibliográficas:

Cunningham, A. & Zibulsky, J. (2014). Book smart. How to develop and support successful, motivated readers. Nova Iorque, NY: Oxford University Press.

Hindman, A., Skibbe, L. & Foster, T. (2014) Exploring the variety of parental talk during shared book reading and its contributions to preschool language and literacy: evidence from the early childhood longitudinal study-birth cohort. Em Reading and writing. 27 (2), 287-313.

NAS PATAS DO CÃO LEITOR: “LIVRO CLAP”

Para um dia cheio de som e movimento, o cão leitor sugere: “LIVRO CLAP“.

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Ficha Técnica:

Autora: Madalena Matoso

Ilustradora: Madalena Matoso

Editora: Planeta Tangerina

Ano: 2014

Breve descrição: Um “livro-catálogo” recheado de propostas às sensações e ao movimento do leitor; ler e motivar a ação, pode ser uma forma de descrever esta obra. Em duplas páginas cuidadosamente numeradas, os leitores são convidados a ler (ou adivinhar) os sons produzidos por diferentes elementos, sendo que a respetiva onomatopeia está sempre registada, de forma bem legível e convidativa a todas as tentativas de leitura … Para leitores iniciais, há um desafio novo sempre que se vira a página. Para os mais experientes, a descoberta é constante e a possibilidade de criar e recriar é interminável. Para experimentar e explorar, assim que se abre o livro!

Excerto: Aqui.

“Segurem este livro!

O livro clap pode começar a voar a qualquer momento. O livro clap pode desatar a fazer abdominais. O livro clap pode transformar-se num acordeão ou num bombo. Segurem-no com as duas mãos e não o deixem parar. Porque o livro clap é mesmo feito para se  mexer, para abrir, para fechar, para fazer ouvir e movimentar todas as coisas que lá moram.

Clap, clap, palmas para os leitores!”

 

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Este é um livro que se vê melhor … em movimento. Para um excerto em vídeo das nossas leituras, eis o link.

Sugestões:

Conhecer as letras, os seus nomes, formas e os sons correspondentes é uma competência fundamental para aprender a ler e a escrever (Fitzpatrick, 1997; Olsen & Knapton, 2011). Além da apropriação deste Princípio Alfabético, uma outra competência tem sido mencionada por diversos autores (Rios, 2011; Hester & Hodson, 2009) como fundamental para o sucesso na literacia: a Consciência Fonológica ou Reflexão Metafonológica. Esta difere do domínio do Princípio Alfabético, na medida em que consiste numa capacidade para, conscientemente, refletir sobre as subunidades fonológicas que compõem as palavras e as frases – as sílabas, ataques/rimas e sons – permitindo uma reflexão sobre a estrutura fonológica da linguagem oral, independente do seu significado (Fitzpatrick, 1997; Hester & Hodson, 2009). Catarina Rios (2011), no seu extenso trabalho sobre o tema da Consciência Fonológica, propõe que esta competência seja trabalhada através de um programa sequencial de atividades de reflexão, organizadas nos seguintes níveis:

1) Consciência da Palavras – identificação, segmentação, contagem e manipulação das palavras nas frases;

2) Consciência Silábica – identificação, segmentação, reconstrução, contagem e manipulação, utilizando as sílabas das palavras;

3) Consciência Intrassilábica – identificação de palavras que rimam/não rimam, produção de rimas e divisão das sílabas em ataque e rima;

4) Consciência Fonémica – identificação de fonemas (sons) nas palavras, segmentação e reconstrução fonémicas, contagem e manipulação de fonemas.

Quando conhecemos o “Livro CLAP” rapidamente nos deixamos mexer pelo movimento e conquistar pela cor e pelas formas “geométricas” das ilustrações, características suficientemente motivadoras para leitores mais pequenos. Depois reconhece-se o texto reduzido, numa fonte simples e inequívoca que expressa  onomatopeias como contexto para a prática de competências de consciência fonológica. Consideramos especialmente interessante recorrer ao “Livro CLAP” para trabalhar a consciência de fonema, em especial com tarefas de: (i) identificação do som inicial da onomatopeia, (ii) evocação de palavras com o mesmo fonema inicial, (iii) discriminação entre pares de fonemas semelhantes, (iv) associar fonemas a grafemas e (v) aprender os nomes e formas das letras; as duas últimas capacidades, já mais no âmbito do anteriormente referido princípio alfabético. E se a criança já tiver alguma experiência com  a escrita … por que não transferir para o papel toda esta exploração metafonológica através de jogos de cópia e/ou ditado?!

Eis um exemplo em que o fonema /f/ é experimentado e relacionado com a letra <F>, com o cuidado de se reforçar a produção do som correspondente, sinalizar a letra respetiva e nomear esta última, de preferência com a terminologia utilizada pelos docentes responsáveis; são conhecidas as variações entre os nomes “éfe” ou “fê”, por exemplo, e numa fase inicial a consistência é fundamental. O exercício é reforçado através da imagem e letras presentes no livro e o movimento … o movimento torna tudo mais divertido!

Atenção: neste trabalho, é mais fácil começar por sons fricativos – ou seja, contínuos, como /fffff/, /sssss/, /vvvvv/ – do que por sons oclusivos e muito mais breves (ex: /p/, /t/, /g/).

A exploração pode prosseguir com as demais onomatopeias, registando as mesmas, identificando os sons iniciais e associando à letra correspondente. Dependendo da idade e experiência da criança, usamos letra script ou manuscrita, com maiúsculas e/ou minúsculas. Uma tarefa complementar é a evocação de palavras com o mesmo fonema inicial, o que no caso do /f/ poderia ser <foca>, <filho> e <faca>, a título de exemplo.

Depois de exploradas as 15 propostas de Madalena Matoso, a viagem pela criatividade continua. Um passeio pelo espaço envolvente será suficiente para encontrar outros sons, criar onomatopeias complementares e prosseguir com o trabalho de consciência fonológica e preparação da leitura/escrita de forma dinâmica e divertida.

Que som fazemos ao tamborilar os dedos na mesa?

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Sabiam que quando batemos com os pés, com toda a força, fazemos …

PUM PUM!?

 (… e que há efeitos colaterais inquietantes!)

E que som estranho faz o lápis quando “rrrrrrabiscamos” com “rrrrrrapidez”!

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Enfim … um livro que promete muitas horas de leitura, escrita e diversão. É normal que todos fiquem cansados depois de tanto explorar e brincar com os sons!

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Referências Bibliográficas:

Fitzpatrick, J. (1997). Phonemic awareness. Playing with sounds to strengthen beginning reading skills. Creative Teaching Press, Inc.: Cypress, CA.

Hester, E. & Hodson, B. (2009). Metaphonological awareness: enhancing literacy skills. em Rhyner, P. (Eds) Emergent literacy and language development. Promoting learning in early childhood. Nova Iorque: The Guilford Press. pp. 78-103.

Olsen, J. Knapton, E. (2011). Get set for school. Gaithersburg, MD: Learning Without Tears.

Rios, A. (2011). Programa de promoção do desenvolvimento da consciência fonológica. Viseu: PsicoSoma.

NAS PATAS DO CÃO LEITOR: “VAZIO”

Para uma semana cheia de leituras, o cão leitor sugere: “Vazio“.

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Ficha Técnica:

Autora: Catarina Sobral

Ilustradora: Catarina Sobral

Editora: Pato Lógico

Ano: 2014

Breve descrição: Um livro-álbum de uma autora/ilustradora internacionalmente premiada, classificado como álbum narrativo por respeitar a «estrutura genológica de um texto narrativo, como a estruturação causal, presença de intriga, personagens, localização temporal e espacial, entre outras» (Sotto Mayor, 2016, p. 329). Nesta obra a totalidade da mensagem é comunicada através da imagem e, ao longo de 32 páginas,acompanhamos a viagem do Sr. Vazio (“alcunha livre”) na identificação e resolução de um problema muito sério: o vazio da solidão. Pode não ter palavras escritas, mas palavras não faltarão para contar e partilhar esta história …

Este é um livro de detalhes e a cada “leitura” novos pormenores vão ser encontrados. A reparar, a diferença entre as guardas iniciais (esquerda) e finais (direita), como pistas subtis que nos indicam a solução para o problema do protagonista.

 Excerto:IMG_1309

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Sugestões:

Compreender a estrutura de uma narrativa é, como já foi referido em publicação anterior, uma competência importante para a compreensão de histórias e, consequentemente, para a compreensão leitora. Usar livros sem palavras é uma das estratégias propostas por Cunningham e Zibulsky (2014) para ajudar a criança a compreender histórias e apropriar-se da estrutura típica de uma narrativa.

Com “Vazio”, além da promessa de usufruto de uma obra artística de elevada qualidade, surge a oportunidade de desafiar a criança a ler um livro sem palavras, contar uma história que ainda não foi contada (pelo menos, através da escrita) e co-construir conhecimento acerca da estrutura tradicional de textos narrativos; adicionalmente, o adulto leitor pode apreender até que ponto a criança consegue acompanhar uma narrativa e compreender o enredo entre personagens, ações sequenciais e a resolução para um problema muito sério e com o qual todos nos conseguimos relacionar.

É sugerido por diversos autores (Greenberg & Weitzman, 2014; Cunningham & Zibulsky, 2014) que modelar explicitamente a estrutura das narrativas aquando da leitura partilhada é uma estratégia  eficaz para ajudar os mais jovens a compreenderem a estrutura da história e, eventualmente, abstraírem da mesma significado. As questões que se colocam são:

– Qual a estrutura ou esquema geral que compõe uma narrativa?

– Como modelar de foram explícita o esquema geral de uma narrativa?

Para ajudar na definição dos elementos centrais das histórias, Cunningham e Zibulsky (2014) sugerem os 4C:

Causalidade: os eventos de uma narrativa ligam-se entre si através de relações causais;

Conflito: em todas as narrativas, as personagens têm objetivos e desafios a enfrentar na tentativa de atingir os seus objetivos;

Complicações: na sucessão de eventos acionados pelas personagens para alcançarem os seus objetivos, a maior parte das narrativas introduz obstáculos, desafios e reviravoltas que mantém o leitor envolvido e motivado;

Characters (Personagens): são o elemento central das narrativas e os agentes responsáveis por iniciar e avançar com as ações que fazem evoluir as histórias.

Utilizando os 4C, facilmente se identificam os elementos que, de acordo com especialistas do Hanen Centre (Weitzman & Greenberg, 2010; Greenberg & Weitzman, 2014), compõem a estrutura PCPAR das narrativas. De acordo com esta perspetiva, as narrativas apresentam, de forma mais ou menos desenvolvida e definida:

Personagens: Sobre quem é a história?

Cenários: Onde se passa a história?

Problemas: Qual a questão central abordada na história?

Ações: O que fazem as personagens para resolver o problema?

Resoluções: O que acontece, quando o problema se resolve?

Como se de uma casa se tratasse, descobrimos com a criança os seus alicerces, a sua estrutura, cientes de que há histórias com mais/menos personagens, histórias com um ou com vários problemas, histórias com cenários e tempo (in)definidos … E tudo isto importa, na seleção de um bom livro para ajudar leitores principiantes a identificar e compreender a estrutura e o significado da narrativa. Esta – a seleção adequada da obra – é uma estratégia fundamental, considerando as necessidades e capacidades de diferentes públicos leitores; ex: para um leitor com dificuldades, uma história simples e linear com os elementos PCPAR claros será um bom começo!

Cumprindo o exercício de identificar os elementos PCPAR da narrativa “Vazio“, apresentamos a seguinte proposta de interpretação.

PERSONAGENS: Identificamos como personagens o Sr. Vazio, a Srª Vazia e o Médico

 

CENÁRIOS: casa do Sr. Vazio, consultório médico, hipermercado, jardim, museu e rua (imagens em AÇÕES)

PROBLEMA: o vazio da solidão, compreendido durante a consulta médica

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AÇÕES: arranjar-se para sair, ir a uma consulta médica, ir à compras, explorar a natureza no jardim, apreciar arte no museu, ouvir o cantar de um pássaro e dar um passeio à chuva e na neve

RESOLUÇÃO: o encontro com o outro

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Com uma lindíssima palete de cores e com as suas ilustrações fortes e chamativas, Catarina Sobral agarra o leitor desde a primeira página, captando a curiosidade de cada um para o desfecho do personagem principal. Este livro é iminentemente poético e metafórico, levando à reflexão do leitor sobre os sentidos da vida e o do caminho que se trilha em direção à realização pessoal ou, se quiserem, à felicidade. São temas fortes os que a autora aqui concretiza em imagens: a cidade e a multidão e a transparência dos “sujeitos”; a natureza e arte como possíveis fontes de sentido e redenção e, por fim, o amor ou o encontro com o outro como a catarse da esperança.

A beleza é algo subjetivo mas para nós “Vazio” é um daqueles tesouros belíssimos que confiamos à guarda do Cão leitor! Em suma, um livro-álbum, mas também um “livro-metáfora”, que apetece devorar …

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NOTA: nenhum livro saiu destruído durante a preparação da presente publicação.

 

Referências  Bibliográficas:

Cunningham, A. & Zibulsky, J. (2014). Book smart. How to develop and support successful, motivated readers. Nova Iorque, NY: Oxford University Press.

Greenberg, J. & Weitzman, E. (2014). I’m Ready! How to Prepare Your Child for Reading Success. Toronto: The Hanen Centre.

Sotto Mayor, G. (2016). Ilustração de livros de lij em Portugal na primeira década do século XXI. Caracterização, tipificação e tendências. Porto: Tropelias e Companhia.

Weitzman, E. & Greenberg, J. (2010). Abc and beyond. Building emergent literacy in early childhood settings. Toronto: The Hanen Centre.