Para uma tarde de leitura deitados na areia, o Cão Leitor sugere: “Um dia na praia“. Um verdadeiro apelo à sustentabilidade e preservação do planeta a que ninguém deve ficar indiferente. O Cão Leitor não ficou … e adorou!
Ficha Técnica:
Autor: Bernardo Carvalho
Ilustrador: Bernardo Carvalho
Editora: Planeta Tangerina
Ano: 2008
Breve descrição: Uma narrativa simples que conta com uma única personagem e sensibiliza o leitor para um problema demasiado atual: a poluição! Entre páginas duplas cheias de cor e de jogos de cor – repare-se no preenchimento a “verde forte” da nossa personagem ecológica – o Bernardo faz-nos pensar no nosso planeta e nas nossas preocupações ambientais, mostrando-os mais possibilidades do que obstáculos. É que … uma tarde na praia não é só uma tarde na praia! Pode muito bem ser a primeira oportunidade para salvarmos o planeta!
Excerto:
Há muitas maneiras de contar uma história. E uma delas é sem palavras, em silêncio, ouvindo apenas o som do mar. Neste livro, as imagens acompanham os gestos de um dia na praia que acabou de forma totalmente inesperada …
Como em poucas outras obras, “Um dia na praia” utiliza as guardas iniciais e finais como parte da narrativa. Inicia a ação logo nas guardas iniciais, proporcionando ao leitor um vislumbre do vasto oceano, como um fundo azul que apenas se distingue da restante paisagem pela linha do horizonte; quase como se abríssemos o livro para chegar a uma praia!
As guardas finais também nos reservam uma pequena (ou distante?) surpresa; lá ao fundo, precisamente na mesma paisagem, conseguimos ver o protagonista da história, aparentemente satisfeito com o “destino” da sua viagem à praia …
Sugestões:
Já aqui se escreveu sobre a importância da compreensão da estrutura das narrativas para a boa compreensão de histórias e, posteriormente, produção das próprias histórias. Weitzman e Greenberg (2010) sugerem a estrutura básica PCPAR – Personagens, Cenários, Problemas, Ações e Resolução – e autores diversos (Greenberg & Weitzman, 2014; Cunningham & Zibulsky, 2014) fazem referência à importância de modelar explicitamente esta estrutura, nomeando de forma clara os seus elementos mais relevantes.
Na obra em questão, identifica-se a seguinte estrutura:
Dominada a estrutura da narrativa e compreendido o seu conteúdo e a mensagem da história, é tempo de abstrair e pensar além da narrativa diretamente legível no livro; ou seja, é tempo de inferir, apreender informações implícitas e relacionar conteúdos com outros conhecimentos e experiências!
Será que inferimos quanto lemos uma frase ou um texto?
Sim … até certo ponto e informados pelo conteúdo escrito, bem como por outros conteúdos já do nosso conhecimento. Ao ler ou ouvir a frase:
“O Sr. Verde chegou, estendeu a toalha, abriu o chapéu de sol e deitou-se na areia.“
O leitor/ouvinte infere muita informação que não está diretamente acessível e que é fundamental para a compreensão da história, nomeadamente (1) que o Sr. Verde está na praia e (2) que está sol e calor. Apesar da informação estar omissa, o pensamento inferencial do leitor/ouvinte permite complementar a informação para uma compreensão plena do conteúdo; um pouco como o trabalho de detetive, já referenciado na publicação anterior.
Repitamos o exercício com a frase:
“O Sr. Verde teve uma ideia para resolver o problema da poluição no mar!”
O que pode inferir o leitor/ouvinte? Será que pode antecipar e prever o que vai fazer a personagem? Será que pode evocar e partilhar experiências passadas de situações semelhantes? Será que pode imaginar soluções para resolver o problema da poluição?
Fazemos inferências na “leitura” da ilustração?
Claro que sim! A obra em questão é um excelente exemplo da utilização da imagem para inferir conteúdos importantes da história. Repare-se, por exemplo, que a capa não apresenta o título – ou qualquer outro conteúdo escrito – mas o leitor consegue facilmente inferir sobre o tema da história.
Da mesma forma, quando o Sr. Verde visualiza o primeiro objeto no oceano … o leitor infere o que será, considerando o local onde se encontra, a forma, cor e tamanho do item …
Naturalmente, aquilo que cada um deduz dependerá dos seus conhecimentos e experiências prévias e, no caso, das suas capacidades para observar em detalhe a ilustração para a partir daí refletir e concluir. E “Um dia na praia” é um excelente recurso para treinar esta observação cuidadosa.
Como poderá o adulto ajudar a criança a desenvolver o seu pensamento inferencial para compreender de forma mais completa uma história?
Fundamental para inferir e poder ler “entre as” e “além das linhas” é assegurar que a criança alcança uma compreensão básica da história, mais concretamente, ter a certeza de que consegue identificar as personagens relevantes, o cenário da história, o problema central e as ações que conduzem à resolução da narrativa. Já aqui referimos o quão importante é revelar à criança a estrutura PCPAR da narrativa, mas um estudo chileno, Silver, Strasser e Cain (2014), envolvendo 60 crianças pré-leitoras, revelou que colocar criteriosamente perguntas aquando da exploração de livros parece ter um efeito facilitador na compreensão da história. Nesta mesma investigação, constatou-se que crianças a quem tinham sido apresentadas perguntas conseguiram reproduzir de forma mais coerente a narrativa do que o grupo controlo, a quem as perguntas foram colocadas apenas depois da tarefa de reconto.
A recomendação é, naturalmente, para que se comece com perguntas fatuais sobre a história – Quem? O quê? Onde? Entre outras … – para compreender até que ponto o conteúdo explícito da narrativa está a ser compreendido e dirigir a atenção do jovem leitor para as informações mais relevantes. Um exemplo proveniente das nossas leituras pode ser visto aqui.
Uma vez seguros de que a criança domina a estrutura básica da história, colocar perguntas pode também ser uma estratégia útil para aprofundar a compreensão e estimular o pensamento inferencial com base na história. Kispal (2008) conclui na sua revisão sistemática que utilizar perguntas de forma moderada e intencional pode ajudar a criança a desenvolver as suas competências inferenciais, sendo certo que o tipo de perguntas a utilizar será, necessariamente, diferente das anteriormente referidas. Um exemplo aplicado nas leituras do Cão Leitor pode ser visto aqui.
Assim sendo … que perguntas podem ser colocadas para estimular o pensamento inferencial dos mais jovens?
No seu programa de educação parental, Weitzman e Greenberg (2010) são claras e recomendam que se coloquem perguntas específicas que promovam o uso inferencial da linguagem para:
1. Explicar um facto ou acontecimento
Ex: Por que abriu o Sr. Verde o chapéu de sol?
2. Evocar uma experiência passada
Ex: Já alguma vez foste à praia e encontraste lixo no mar?
3. Expressar e conversar sobre emoções
Ex: Como achas que se está a sentir o Sr. Verde?
4. Examinar situações e emitir juízos de valor?
Ex: Achas boa ideia nadar no mar se estiver todo poluído?
5. Prever o que vai acontecer na história
Ex: O que achas que vai acontecer a seguir?
6. Refletir para resolver problemas
Ex: Como pode o Sr. Verde resolver o problema da poluição do oceano?
7. Projetar-se na situação e emoções das personagens
Ex: Se tu fosses o Sr. Verde, a que praia irias e o que levarias contigo?
8. Assumir e simular diferentes papéis
Ex: Com tanto lixo, como construirias um barco? Mostra-me … desenha o barco que tu construirias!
Aquando da leitura e exploração da historia, NÃO se esqueçam: sempre que colocada uma questão, é fundamental ESPERAR. Esperar sem pressa e de forma ativa, demonstrando genuíno interesse em ouvir a criança e autêntica disponibilidade para a ajudar a chegar a uma resposta.
O tempo é de calor e o tema do pensamento inferencial “quente”! Muito mais haveria a dizer sobre o assunto.
Sabia que equilibrar comentários do tipo “pensar em voz alta” com perguntas pode ter ainda melhores resultados (Weitzman & Greenberg, 2010; Kispal, 2008)?
Sabia, por exemplo, que o domínio de um vasto vocabulário é um forte fator preditor e facilitador da realização de inferências e compreensão plena de textos e conversas (Currie & Cain, 2015)?
Todavia … por ora desfrutem da obra e reflitam na mensagem que nos deixa … de preferência a relaxar, à beira mar!
Referências Bibliográficas:
Cunningham, A. & Zibulsky, J. (2014). Book smart. How to develop and support successful, motivated readers. Nova Iorque, NY: Oxford University Press.
Currie, N. & Cain, K. (2015). Children’s inference generation: The role of vocabulary and working memory. Em Journal of Experimental Child Psychology. 137, 57–75.
Greenberg, J. & Weitzman, E. (2014). I’m ready! How to prepare your child for reading success. Toronto: The Hanen Centre.
Kispal A. (2008). Effective teaching of inference skills for Reading. Literature review. Slough: National Foundation for Educational Research.
Silva, M., Strasser, K., & Cain, K. (2014). Early narrative skills in Chilean preschool: Questions scaffold theproduction of coherent narratives. Em Early Childhood Research Quarterly. 29, 205–213.
Weitzman, E. & Greenberg, J. (2010). Abc and beyond. Building emergent literacy in early childhood settings. Toronto: The Hanen Centre.